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O Triângulo Invisível: Desejo, Fé e Imaginação na Era das IA's

  • Foto do escritor: Audria Piccolomini
    Audria Piccolomini
  • 6 de set.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 28 de set.


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Vivemos um tempo em que a promessa de transformação se tornou quase uma moeda de troca. A internet, as redes digitais, a inteligência artificial, tudo é apresentado como se fosse a porta para uma nova era de eficiência, justiça e prosperidade. Escutamos discursos que exaltam a revolução tecnológica como se ela fosse, por si só, suficiente para corrigir falhas humanas, redesenhar modelos de negócio, criar novas formas de trabalho e inaugurar um futuro sem carências. Mas, em meio a todo esse entusiasmo, esquecemos um elemento central, sem o qual qualquer revolução se torna vazia: o próprio ser humano. Não o ser humano como consumidor de tecnologia, não como número em estatísticas, mas como núcleo de desejo, fé e imaginação. Três forças invisíveis que moldaram a história desde os primeiros passos da humanidade e que continuarão moldando, independentemente de quantos algoritmos possamos inventar.

 

Se olharmos para trás, veremos que toda a trajetória humana foi construída em torno dessas três chaves. O desejo moveu nossos ancestrais a buscar o fogo, a caçar melhor, a cultivar o solo. A fé os fez acreditar que era possível plantar uma semente hoje e colher meses depois, mesmo sem nenhuma garantia de que o clima ou a terra ajudariam. A imaginação os fez olhar para o céu e criar histórias sobre deuses e constelações, projetando sentido em meio ao caos. Da pedra lascada ao foguete espacial, esses três pilares invisíveis sempre estiveram presentes. E continuam sendo a matéria-prima essencial para qualquer transformação real.

 

Ferramentas, por mais sofisticadas que sejam, sempre foram apenas extensões do corpo e da mente humana. O arado ampliou a força das mãos, o telescópio expandiu a visão, a imprensa multiplicou a voz, a eletricidade acelerou a vida, a internet encurtou distâncias. A inteligência artificial é apenas a mais recente dessas extensões, uma ferramenta capaz de armazenar, correlacionar e reproduzir padrões em escala inimaginável. Mas ainda é uma ferramenta. E como toda ferramenta, só ganha sentido a partir do desejo humano de criar, da fé em algo que ainda não existe e da imaginação que projeta novos mundos. Platão, em sua alegoria da caverna, já nos alertava que a realidade que percebemos é apenas sombra, e que precisamos da imaginação para transcender essas sombras e alcançar uma verdade mais profunda. Leonardo da Vinci desenhava máquinas voadoras no papel muito antes de qualquer motor existir, porque sua imaginação habitava um tempo que não era ainda possível. Einstein afirmava que a imaginação é mais importante que o conhecimento, porque ela abre caminhos para além do que já sabemos. Esses três exemplos, distantes no tempo, mostram a mesma lógica: nenhuma ferramenta pode substituir a centelha humana.

 

É necessário compreender a diferença entre conhecimento e sabedoria, porque esse ponto é muitas vezes confundido. Conhecimento é acumulativo, transferível, mensurável. Ele pode ser arquivado em bibliotecas, copiado em servidores, acessado em segundos pelo Google ou por qualquer sistema de inteligência artificial. É o terreno da técnica, da estatística, da informação organizada. Sabedoria, por outro lado, é qualitativa, vivencial, relacional. Ela nasce da experiência, da observação, do contato humano, do erro e da repetição. Pode ser transmitida por meio de uma história contada à beira do fogo, por um mestre zen em silêncio, por uma avó ao ensinar uma receita, ou por um líder em um gesto discreto que vale mais que discursos. A neurociência contemporânea reforça essa distinção: o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões complexas, pela moralidade e pela criatividade, não opera apenas como um processador de dados, mas integra emoções, contextos e intuições. O que chamamos de sabedoria é, portanto, um fenômeno emergente, impossível de ser replicado por máquinas que operam em lógica binária e estatística.

 

Há estudos que mostram como decisões tomadas apenas com base em dados podem ser catastróficas. Em 2008, o colapso do sistema financeiro global foi impulsionado por algoritmos de risco e modelos matemáticos que ignoraram a dimensão humana do comportamento econômico. A confiança cega na lógica numérica produziu um abismo de consequências sociais. Isso demonstra que conhecimento, sem sabedoria, pode ser destrutivo. Por outro lado, há inúmeros exemplos de líderes que, sem nenhuma formação acadêmica formal, orientaram sociedades inteiras com base em sua sabedoria empírica. Líderes tribais, anciãos de comunidades, mestres espirituais e até empreendedores visionários que aprenderam mais com a vida do que com livros mostram que sabedoria não depende de diplomas.

 

Esse ponto é crucial, porque vivemos hoje uma confusão generalizada entre acumular conhecimento e ser sábio. Muitas pessoas com acesso a vastos repositórios de informação não conseguem transformar isso em decisões eficazes, porque lhes falta a lente da sabedoria. Ao mesmo tempo, existem homens e mulheres que mal sabem ler ou escrever, mas que carregam um refinamento de percepção capaz de orientar vidas inteiras. Esse paradoxo mostra que sabedoria não pode ser terceirizada nem automatizada. Ela é um evento exclusivo do humano.

 

As ferramentas tecnológicas são poderosas, mas seu papel é sempre auxiliar. Elas podem ampliar o alcance, acelerar processos, oferecer novos mapas. Mas o ato de integrar conhecimento e sabedoria para criar algo novo é inseparável do ser humano. Steve Jobs, ao lançar o iPhone, não criou apenas um dispositivo, mas redesenhou a forma como nos relacionamos com a tecnologia. Gandhi, ao propor a resistência não violenta, não se apoiou em fórmulas estatísticas, mas em uma fé inabalável na dignidade humana. Mandela, ao sair da prisão, escolheu perdoar em vez de vingar, decisão que nenhum algoritmo teria tomado. Alexandre, o Grande, moveu impérios pelo desejo de ir além do que se conhecia. Em todos os casos, o triângulo invisível do desejo, da fé e da imaginação estava presente.

 

Mas a vida humana não se resume a conquistas externas. O sentido profundo da existência não é apenas acumular bens, títulos, diplomas ou empresas milionárias. É evoluir. Evoluir como consciência, como percepção, como relação com o outro. A sociedade é um tecido, e cada indivíduo é um fio desse tecido. A evolução de um fio afeta todo o conjunto. Quando um ser humano refina seus atos, cresce em discernimento, integra sabedoria ao conhecimento, ele eleva não apenas a si mesmo, mas a rede invisível que o conecta a todos os outros.

 

As estatísticas contemporâneas mostram que mais de 60% das profissões que existirão em 2035 ainda não foram inventadas. A própria OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) alerta que a automação substituirá até 25% dos trabalhos atuais até 2030, mas ao mesmo tempo criará outros milhões. Esse movimento só faz sentido se compreendermos que o núcleo do trabalho humano não está na repetição, mas na criação. Um relatório da McKinsey aponta que tarefas repetitivas têm 78% de chance de serem automatizadas, enquanto atividades criativas e de relacionamento humano têm menos de 30%. Isso confirma, com números, o que filósofos já diziam há séculos: o que nos diferencia não é a capacidade de repetir, mas de imaginar.

 

A física quântica também oferece insights interessantes. O princípio da superposição mostra que partículas podem existir em múltiplos estados até serem observadas. Esse fenômeno, traduzido metaforicamente, mostra que o futuro humano também existe em múltiplos potenciais até que um ato de consciência escolha uma direção. Desejo, fé e imaginação são justamente os instrumentos que colapsam possibilidades em realidade. A imaginação abre o leque de futuros, o desejo os orienta, a fé sustenta o processo.

 

Assim, a evolução não pode ser pensada apenas em termos materiais. Ela é, antes de tudo, um movimento interno. A tecnologia nos dá instrumentos poderosos, mas não pode definir o que queremos ser. Isso depende de nós. E depende da forma como unimos sabedoria, conhecimento e ferramentas. É nesse ponto que entramos no campo da jornada cósmica. Cada passo que damos no sentido de integrar esses elementos nos eleva a um grau mais refinado de consciência. Não é um grau social, nem acadêmico, mas existencial.

 

Quando compreendermos que a essência primordial da vida não está em competir com robôs, mas em expandir nossa humanidade, daremos um passo decisivo. Porque a inteligência artificial pode aprender padrões, pode até simular emoções, mas não pode sonhar. Sonhar é prerrogativa do humano. Sonhar é a capacidade de criar futuros que não existem, de acreditar em mundos invisíveis, de transformar ideias em realidade. É essa capacidade que nos trouxe até aqui e que continuará nos levando adiante.

 

A sociedade precisa compreender que o jogo da vida não se joga apenas com números, algoritmos ou estatísticas. Esses elementos são peças do tabuleiro, mas o jogador é sempre humano. O que define uma partida não são as peças disponíveis, mas a estratégia, a intuição e a visão do jogador. É isso que diferencia líderes de meros gestores, criadores de meros repetidores. É isso que fez da história humana uma narrativa de revoluções, e não apenas de continuidades.

 

Portanto, diante da avalanche tecnológica que vivemos, a mensagem é clara: não devemos temer a inteligência artificial, mas também não devemos idolatrá-la. Devemos usá-la como ferramenta, integrá-la como apoio, mas sempre lembrando que o núcleo do processo está em nós. Desejo, fé e imaginação continuam sendo os motores invisíveis de toda transformação. O conhecimento é o mapa, a sabedoria é a bússola, a tecnologia é a estrada, mas quem decide o destino somos nós.

 

E ao final, quando olharmos para trás, entenderemos que a verdadeira revolução não será a das máquinas, mas a da consciência.

 
 
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